Regime Militar

Introdução

No dia 1º de Abril de 1964 o Brasil mergulha em uma nova fase da sua história. Durante 21 anos o país viveu um regime de governo militar, que marcou a nação, seu povo e suas instituições. Foram duas décadas de confronto entre forças políticas e sociais. Neste conflito ambos os lados, governo e oposição, utilizaram todos os seus recursos: censura, terrorismo, tortura e guerrilha.

O Regime Militar

O Regime Militar é instaurado pelo golpe de 1º de abril de 1964. O plano político é marcado pelo autoritarismo, supressão dos direitos constitucionais, perseguição política, prisão e tortura dos opositores, e pela imposição da censura prévia aos meios de comunicação. Na economia há uma rápida diversificação e modernização da indústria e serviços, sustentada por mecanismos de concentração de renda, endividamento externo e abertura ao capital estrangeiro. Com a deposição de Jango, o presidente da Câmara, Ranieri Mazzelli, assume formalmente a presidência e permanece no cargo até 15 de abril de 64. Na prática, porém, o poder é exercido pelos ministros militares de seu governo, entre eles, o general Arthur da Costa e Silva, da Guerra. Nesse, período é instituído o Ato Institucional nº1. Os Atos Institucionais são mecanismos adotados pelos militares para legalizar ações políticas não previstas e mesmo contrárias à Constituição. De 1964 a 1978 serão decretados 16 Atos Institucionais e complementares que transformam a Constituição de 46 em uma colcha de retalhos .O AI-1, de 9 de abril de 64, transfere poder aos militares, suspendem por dez anos os direitos políticos de centenas de pessoas. As cassações de mandatos alteram a composição do Congresso e intimidam os parlamentares.

Governo Castello Branco

Em 1 de Abril de 1964, o Congresso elege para presidente o chefe do estado maior do exército, marechal, Humberto de Alencar Castello Branco. Empossado em 15 de Abril de 1964, governa até março de 1967. Usa atos institucionais como instrumentos de repressão: fecha associações civis, proíbe greves, intervém em sindicatos e caça mandatos de políticos. No dia 13 de junho de 64 cria o SNI (Serviço Nacional de Informações). Em 27 de outubro o Congresso aprova a lei Suplicy, que extingue a UNE e as uniões estaduais de estudantes. O novo governo assina um acordo com os Estados Unidos com o objetivo de restaurar a educação pública, chamado MEC-Usaid. Em 18 de outubro manda invadir e fechar a Universidade de Brasília pela polícia militar. As ações repressivas do governo são estimuladas por grande parte dos oficias do Exército. A chamada "linha dura" defende a pureza dos princípios "revolucionários" e a exclusão de todo e qualquer vestígio do regime deposto. Usando de pressões consegue que o Congresso aprove várias medidas repressivas. Uma das maiores vitórias é a permissão dada à justiça militar de julgar civis por "crimes políticos". Em 27 de outubro de 1965 Castello Branco edita o AI-2: dissolve os partidos políticos e confere ao executivo poderes para caçar mandatos e decretar o estado de sítio sem prévia autorização do Congresso. Estabelece também a eleição indireta para a Presidência da República transformando o Congresso em Colégio Eleitoral. O Ato Complementar nº 04, de novembro de 1965, institui o sistema bipartidário no país. É criada a Arena (Aliança Renovadora Nacional), de apoio ao governo, reunindo integrantes da UDN e PDS, enquanto o MDB reúne os oposicionistas. Prevendo uma derrota nas eleições para os governos de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, o estado baixa em 05 de fevereiro de 1966 o AI-3: as eleições para governadores passam a ser indiretas. Em novembro do mesmo ano, Castello Branco fecha o Congresso e inicia uma nova onda de cassações. A 5º constituição do país e 4º da república traduz a ordem estabelecida pelo regime e institucionaliza a ditadura, incorpora as decisões instituídas pelos atos institucionais, aumenta o poder do Executivo, que passa a ter a iniciativa de projetos de emenda constitucional, reduz os poderes e prerrogativas do Congresso e institui uma nova Lei de Imprensa e a Lei de Segurança Nacional. A nova carta é votada em 24 de janeiro de1967 e entra em vigor no dia 15 de março.

Governo Costa e Silva

O marechal Arthur Costa e Silva assume em 15 de março de 1967 e governa até 31 de agosto de 1969, quando é afastado por motivos de saúde. Logo nos primeiros meses de governo enfrenta uma onda de protestos que se espalham por todo o país. O autoritarismo e a repressão recrudescem na mesma proporção em que a oposição se radicaliza. Costa e Silva cria o Fundo Nacional do Índio (Funai) e o Movimento de Brasileiro de Alfabetização (Mobral). Crescem as manifestações de rua nas principais cidades do país, em geral organizadas por estudantes. Em 1968 o estudante secundarista Édson Luís morre no Rio de Janeiro em confronto entre polícias e estudantes. Em resposta, o movimento estudantil, setores da Igreja e da sociedade civil promovem a Passeata dos Cem Mil, a maior mobilização do período contra o regime militar. Na Câmara Federal, o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, exorta o povo a não comparecer às festividades do dia 7 de Setembro dia da Independência. Os militares exigem sua punição. A Câmara não aceita a exigência e o Congresso decreta o AI-5, em 13 de dezembro de 1968. Em 17 de abril de 1968, 68 municípios, inclusive as capitais, são transformados em áreas de segurança nacional e seus prefeitos passaram a ser nomeados pelo presidente da República. Mais abrangente e autoritário de todos os outros atos institucionais, o AI-5 na prática revoga os dispositivos constitucionais de 67. Reforça os poderes discricionários do regime e concede ao exército o direito de determinar medidas repressivas específicas, como decretar o recesso do Congresso, das assembléias legislativas estaduais e Câmaras municipais. O Governo pode censurar os meios de comunicação, eliminar as garantias de estabilidade do Poder Judiciário e suspender a aplicação do habeas-corpus em casos de crimes políticos. O Ato ainda caça mandatos, suspende direitos políticos e cerceia direitos individuais.

Junta Militar

A junta militar é integrada pelos ministros da Marinha Augusto Rademarker, do exército, Lyra Tavares e da Aeronáutica Márcio de Souza e Melo. Governa por dois messes - de 31 de agosto de 1969 até 30 de outubro do mesmo ano. Em setembro, decreta, entre outras medidas o AI-14, que institui a prisão perpétua e a pena de morte em casos de "guerra revolucionária e subversiva", reforma a constituição de 1969 e impõe a nova lei de segurança nacional. Decreta também reabertura do Congresso, após dez messe de recesso. Em 25 de outubro de 1967, os parlamentares elegem Emílio Garrastazu Médici para a presidência.

Governo Médici

Emílio Garrastazu Médici assume a Presidência em 30 de outubro de 1969 e governa até 15 de março de 1974. Seu Governo fica conhecido como "os anos negros da ditadura". Os movimentos estudantis e sindicais estão contidos e silenciados pela repressão policial. O fechamento dos canais de participação política leva a esquerda a optar pela luta armada e pela guerrilha urbana. O governo responde com mais repressão. Lança também a campanha publicitária, com o slogan "Brasil, ame-o ou deixe-o". O endurecimento político é respaldado pelo "milagre econômico", crescimento do PIB, diversificação das atividades produtivas, concentração de renda e surgimento de uma nova classe média com alto poder aquisitivo.

Governo Geisel

Em 15 de março de 1974, o general Ernesto Geisel assume a presidência onde enfrentará dificuldades econômicas e políticas que anunciam o fim do "Milagre Econômico" e ameaçam o Regime Militar, além dos problemas herdados de outras gestões - já no final de 1973 a dívida externa, contraída para financiar as obras faraônicas do governo, atinge 9,5 bilhões de dólares. Em 1974 a inflação chega a 34,5% e acentua a correção dos salários. Surpreendentemente Geisel, ao invés de utilizar-se de uma política recessiva, de maior contenção possível, se propôs a investir num crescimento econômico. O Brasil permanece, assim, com grande endividamento externo, mas direcionando os investimentos, na indústria, para projetos que substituíssem importações. A meta era alcançar um crescimento industrial de 12% ao ano até 1979. Para isto desenvolveu-se o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que visava criar bases para a indústria (procurando reduzir a dependência em relação a fontes externas). Com o objetivo de ampliar as fontes alternativas de energia para fazer frente à crise do petróleo, os investimentos se estenderam para o setor energético - iniciou-se um programa visando à implantação de combustível substituto da gasolina, o Proálcool (Programa Nacional do Álcool), ao mesmo tempo que desencadeou uma campanha de racionamento de combustíveis. Acompanhando isto, criou-se o Procarvão (Programa Nacional de Carvão), visando à substituição do óleo combustível. Ainda na área de energia, foi aprovado em 1975, o Programa Nuclear Brasileiro, que previa instalação de uma usina de enriquecimento de urânio, além de centrais Termonucleares. Esse programa, firmado com a Alemanha Ocidental, faz com que os Estados Unidos ameacem cortar o crédito pretendido pelo governo brasileiro, no valor de 50 milhões de dólares para fins militares. Geisel, não aceitando tal ameaça, adiantou-se rompendo o acordo militar com os Estados Unidos. Há também a preocupação com o aproveitamento do potencial hidráulico. Foram construídas as usinas de Tucuruí, no rio Tocantins, e de Itaipu, no rio Paraná, a maior usina hidroelétrica do mundo. A crise internacional do petróleo desencadeada em 1973 afeta o desenvolvimento industrial e aumenta o desemprego. Diante desse quadro, Geisel propõe um projeto de abertura política "lenta, gradual e segura". Mas ainda caça mandatos e direitos políticos. Devido ao expressivo crescimento das oposições nas eleições de 1974, promulga a Lei Falcão, que impede o debate político nos meios de comunicação, em 24 de junho de 1976. O plano de abertura é atribuído ao ministro-chefe do Gabinete Civil, general Golbery do Couto e Silva. Em 20 de Janeiro de 1976, o general da linha dura, Eduardo d'Avila Mello é afastado do comando do 2º Exército e substituído pelo general Dilermando Gomes Monteiro. A medida é tomada em conseqüência das mortes do jornalista Vladimir Herzog, em 25 de outubro de 1975, e do operário Manuel Fiel Filho, em 17 de janeiro de 1976, no interior do DOI - Codi, órgão de repressão vinculado ao Exército. Em 12 de outubro de 1977 é exonerado o ministro do Exército, general Sylvio Frota, também da linha dura, por sua oposição a liberalização do regime. Geisel desmancha assim, as articulações do ex-ministro para concorrer à presidência. Prevendo uma vitória da oposição nas eleições de 1978, Geisel fecha o congresso por duas semanas e decreta em abril de 1977 o "Pacote de Abril", que altera as regras eleitorais: as bancadas estaduais da Câmara não podem ter mais do que 55 deputados ou menos que seis. Com isso os estados do Norte e Nordeste, menos populosos, mas controlados pela Arena, garantem uma boa representação no Congresso, contrabalançando as bancadas do Sul e Sudeste, onde a oposição é mais expressiva e o número de eleitores é muito superior. O pacote mantém as eleições indiretas para governadores e cria a figura do senador biônico: um em cada três senadores passa a ser eleito indiretamente pelas Assembléias Legislativas de seus estados. Em 15 de outubro de 1978 o MDB apresenta seu candidato ao colégio eleitoral, o general Euler Bentes, que recebe 266 votos, contra 355 votos do candidato do governo, João Baptista Figueiredo. Nas eleições legislativas de 15 de novembro a Arena obtém em todo o país 13,1 milhões de votos para o Senado e 15 milhões para a Câmara; o MDB tem 17 milhões de votos para o Senado e 14,8 milhões para a Câmara. Geisel consegue que a democratização siga nos seus moldes com a eleição de Figueiredo, mas não impede o avanço da oposição.

Governo Figueiredo

Com o crescimento da oposição nas eleições de 1978 o processo de abertura política ganha força. Assumindo a Presidência em 15 de março de 1979, João Baptista Figueiredo vai ter a difícil tarefa de garantir a transição do regime militar para a democracia. Já em 29 de agosto de 1979 é aprovada a Lei da Anistia, que começou na segunda metade da década de 70 reunindo entidades do movimento estudantil e sindical, organizações populares, OAB, ABI e a Igreja. Essa vitória é considerada parcial já que assim como a anistia perdoava os opositores do regime liberava os militares acusados de assassinatos e torturas. Em 22 de novembro é aprovada a Lei Orgânica dos Partidos, que extingue com a Arena e o MDB e restabelece o pluripartidarismo no país. A partir daí cresce o movimento para estabelecer eleições diretas para os cargos executivos. E em 13 de novembro de 1980 é restabelecida a eleição direta para governadores e têm fim os senadores biônicos, respeitando os mandatos em curso. No final dos anos 70 a inflação chega a 94,7% ao ano. Em 1980 bate 110% e, em 1983, 200%. O Brasil entra numa recessão que terá como principal conseqüência o desemprego. Em Agosto de 1981 há 900 mil desempregados, somente nas regiões metropolitanas. No início dos anos 80, segundo dados do IBGE, 80 milhões de pessoas ou 67% dos brasileiros viviam nas cidades, contra uma população rural de 39 milhões de pessoas. A região Sudeste é rica e industrializada, com 44% dos habitantes do país. Mesmo capitais como recife e Salvador tem um aumento de 45% e 33% na sua população. Infelizmente o crescimento dos centros urbanos não é acompanhado por planejamento ou incremento de serviços como transporte, saneamento básico, bem como atendimento público de saúde, educação e justiça. Apesar disto o crescimento populacional já vinha desacelerando. Entre 1970 e 1980, o crescimento foi de 27,8% enquanto no período anterior, de 60 a 70, foi de 32,9% e entre 1980 e 1991, segundo o último censo, chegou a 23,5%. Em 1980 o analfabetismo era de 25%. A resolução destes problemas são algumas das reivindicações dos movimentos sociais urbanos da época. Começam a surgir diversos loteamentos clandestinos, cada vez mais comuns na periferia. Neste quadro os aliados do regime militar fundem-se no Partido Democrático Social (PDS), e o antigo MDB torna-se o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) ressurge e desde 1979 começava a funcionar o Partido dos Trabalhadores (PT), liderado pelo líder dos metalúrgicos Luís Inácio Lula da Silva, que desde de 1978 liderava as mais importantes greves na região do ABC, São Paulo. Mas o PT não reuniu apenas trabalhadores das fábricas paulistas mais também grande parte do movimento sindical rural e urbano, intelectuais, militantes eclesiais de base, setores da esquerda dentro do MDB e também grupos que saíram da obscuridade. O PT é registrado em 80, e no mesmo ano, Leonel Brizola funda o PDT, reunindo outra parte do movimento trabalhista. Com o tempo novas lideranças - principalmente trabalhistas - começam a surgir em todo o país, o que gerou muitos desencontros com relação ao direcionamento do movimento sindical. A organização-intersindical acontece entre 21 e 23 de agosto de 1981, é realizada a 1º Conferência das Classes Trabalhistas em São Paulo, Praia Grande. Ali se formou a comissão pró - CUT (Central Única dos Trabalhadores), fundada dois anos depois. Com o objetivo de unir as várias tendências do movimento trabalhista, a CUT apresenta uma proposta de organização sindical independente. Pela primeira vez consegue-se congregar trabalhadores do campo e da cidade. No entanto, por ser muito forte, os sindicatos dos metalúrgicos fica de fora, privando a CUT de possuir um dos sindicatos mais expressivos da época. Com o crescimento da oposição, através da emenda constitucional de 4 de setembro em 1981, o governo tenta manter o controle da transição democrática, promulgando o mandato dos vereadores e prefeitos e adiando por dois anos as eleições para a Câmara Federal e Senado, governos estaduais, prefeituras, assembléias estaduais e câmara de vereadores. Quatro dias antes das eleições, marcadas para 15 de novembro de 1982, o governo proíbe as coligações partidárias e estabelece a vinculação de voto - o eleitor só poderia votar em candidatos do mesmo partido. Nas eleições para governadores, as oposições somadas obtêm 25 milhões de votos. O PMDB elege 9 governadores e o PDT um. O PDS obtém 18 milhões de votos elegendo 12 governadores. Embora perdendo em número de votos, o regime mantém o controle do processo de democratização e articula a sucessão de Figueiredo que ocorreria em novembro de 1984. Já em novembro de 1983 o PT inicia a disputa presidencial, em 27 de novembro reúne cerca de 10 mil pessoas em São Paulo e em várias outras cidades o movimento de pressão no Congresso para aprovação da emenda do Deputado Dante de Oliveira, que recebeu seu nome, estabelecendo as eleições diretas para presidente. As maiores manifestações ocorreram em São Paulo, que em 12 de fevereiro de 1984 reúne 200 mil pessoas e no Rio de janeiro, onde se realizaram duas grandes manifestações, a primeira em 21 de março com 300 mil e a segunda com 1 milhão de pessoas. O movimento se espalhou por todo país. Porto Alegre foi as ruas em 13 de abril com 150 mil manifestantes e Vitória, em 18 de Abril, com 80 mil. São Paulo um dia antes já havia feito nova manifestação com 1,7 milhões de pessoas. O movimento fica conhecido como Diretas-já e tem em Ulysses Guimarães seu mais popular defensor, que apesar de ter apoiado o golpe de 64 tornou-se mais tarde seu opositor. Por sua defesa das eleições diretas, Ulysses ficou conhecido como o "Senhor Diretas" A emenda Dante de Oliveira vai a plenário no dia 25 de abril. 298 deputados votam a favor, 65 contra e três se abstêm, sendo que 112 parlamentares não comparecem para votar. Seriam necessários mais 22 votos para sua aprovação emenda. Com essa derrota inicia-se a corrida para a disputa das eleições indiretas. O governador de Minas Gerais Tancredo Neves lança-se candidato da oposição e encontra em Ulysses Guimarães grande apoio. O PDS lança Paulo Maluf como candidato do governo, mas divergências fazem com que parte do PDS aproxime-se do PMDB. Dá união nasce a Aliança Democrática. Nela encontra-se José Sarney que rompido com o PDS filia-se ao PMDB e é indicado para concorrer com Tancredo como vice-presidente. O PT acusa as eleições indiretas de serem uma farsa e recusa-se a participar. Tancredo Neves é eleito em 19 de janeiro de 1985 com 485 votos contra 180 de Paulo Maluf e 25 abstenções. É o primeiro presidente civil depois de 21 anos de ditadura.

Voltar